sexta-feira, 26 de junho de 2009

Pensamento, Criatividade, Corporalidade & Prática Eqüestre


O pensamento geralmente se estrutura de um modo binário, ou é denso ou é suave. Na equitação, o pensamento pode alcançar extrema densidade, velocidade e leveza. Este pode ser considerado um paradoxo da equitação. Quando uma pessoa começa a praticar equitação, a sensação corpórea pode ser de confusão e de falta de equilíbrio; porém com o exercício de montar pode-se construir uma consciência corporal a partir da experiência da equitação´, que chamaremos de consciência plástico-corpórea. Esta consciência ativa a densidade, a suavidade e a velocidade do corpo e do pensamento. Uma pessoa sedentária costuma ter um pensamento binário, pois não o constrói em uma experiência corpórea. O pensamento oriundo ou estimulado por uma experiência corporal “resolve” a questão binária pela ação corporal que, através de múltiplos estímulos, aciona um aspecto criativo do pensamento. Desta forma, a consciência criativa e múltipla se constrói por meio das experiências da equitação. O nascimento de uma consciência ampla e de um pensamento criativo inclui as experiências corporais. Segundo José Gil, a consciência torna-se “consciência do corpo”, sendo construída pelos seus movimentos; o corpo preenche a consciência com sua plasticidade e continuidade próprias. “Forma-se assim, uma espécie de “corpo da consciência”: a imanência da consciência ao corpo emerge à superfície da consciência e constitui doravante o seu elemento essencial” (José Gil, 2004).

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Enação, Autopoiesis e Clínica Transdisciplinar: Psicologia que se soma à Biologia e à Filosofia

A biologia nos diz que os seres vivos recompõem de maneira incessante seus elementos desgastados. Porém, para isso é necessário que existam recursos da natureza e do meio ambiente. Sob esta ótica biológica, os seres são ao mesmo tempo autônomos e dependentes. Humberto Maturana, biólogo chileno pioneiro da "biologia do conhecimento", chama este processo de Autopoiese, uma auto-produção contínua que caracteriza os seres vivos. O sistema autopoiético é, ao mesmo tempo, produtor e produto em um modo circular.


A prática de uma Terapia Transdisciplinar pode ser comparada a esta estrutura viva autopoiética, pois tem a capacidade de recriar-se a cada instante. Esta constante auto-criação de si mesmo a partir da relação com o meio-ambiente apresenta dois aspectos: o indivíduo forma um campo psicológico com o meio ambiente; assim como um grupo forma um campo social com o meio ambiente. Para que o processo de Autopoiese ocorra em uma Terapia Transdisciplinar os aspectos biológicos, psicológicos e as questões culturais, sociais e históricas devem estar envolvidos nas malhas que tecem o ser vivente individual e planetário. Ao tratarmos de seres vivos devemos considerar a psique e o corpo, as ações “corporizadas”, uma emersão sincrônica do sujeito e do mundo em uma experiência contextualizada, corporalizada e histórica, nas palavras da pesquisadora e professora Denise Najmanovich. Ela chama esta ação corporalizada de Enação; a qual pode ser entendida como um ponto de partida para uma mudança dos nossos modos de estar no mundo, uma passagem dos modos eminentemente cognitivos de se buscar o saber (racionalizado) para uma afirmação da corporalidade do sujeito no contexto da produção de conhecimento. Em outras palavras, o processo do conhecimento se torna também um processo de produção e criação no mundo. Desta maneira, o sujeito participa de uma dinâmica criativa de si mesmo e do mundo com o qual ele está em permanente intercâmbio. O processo do conhecimento necessita de interação, relação, transformação mútua, co-dependência e co-evolução. Só se pode conhecer o que se pode perceber e processar no corpo. O processo do conhecimento pode ser entendido como um processo de experimentação que instaura imagens internas.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Projeto Centauro: imagem e transdisciplinaridade


O Projeto Centauro foi elaborado por mim através do cruzamento de informações e vivências de equitação e fundamentos da Psicologia. Esta atividade visa contribuir com novas possibilidades terapêuticas, com elementos da Psicomotricidade, da Psicologia Pós-Junguiana e Delleuziana, dentre outras. A Psicologia Pós-Junguiana (derivada do trabalho de Carl Gustav Jung) dá ênfase às imagens como elementos de estruturação terapêutica; a Psicologia Delleuziana (derivada do trabalho de Gilles Delleuze) dá ênfase a um modo transdiciplinar de se exercer a clínica terapêutica que utiliza diversos campos de conhecimento. Por meio das vivências na equitação e dos diversos componentes psicológicos dos indivíduos (seus sonhos, seu discurso, sua cultura, etc.), proponho viabilizar o encontro das diferenças, inclusive o encontro do ser humano com o cavalo, e a conscientização das sensações corporais e emocionais que a equitação provoca. Este projeto visa ajudar a conhecer melhor os sujeitos e sua psique. Este método transdiciplinar utiliza a ciência, a arte e a filosofia. A clínica transdisciplinar faz uso do objetivo da ciência (criar funções), do objetivo da arte (criar agregados sensitivos) e do objetivo da filosofia (criar conceitos). Nesta prática clínica o terapeuta deve ajudar a criar relações de intercessão entre as instâncias científicas, filosóficas e artísticas.

Arquearia Nômade e a História Viva



A prática do arco e flecha a cavalo desenvolvida pelos antigos povos nômades ficou restrita ao longo do tempo a apenas uma parte do mundo, a Ásia Central. Na atualidade esta atividade voltou a ser exercida como uma possível ramificação da prática da equitação, conhecida como arquearia montada. Por ter sido atualizada na contemporaneidade, a arquearia a cavalo integra diferentes estilos de vida: o dos povos nômades da antiguidade e o dos povos sedentários da atualidade. Esta mistura de estilos de vida pode ser uma fonte de criatividade e de novas formas de cultura. Para que a arquearia montada se reproduza nos moldes da antiguidade é necessário que haja uma espécie de adaptação; a prática do arco e flecha na forma como era executada pelos povos nômades do passado, ressurge na atualidade como uma renovação da experiência do equitador moderno. Trata-se de uma atividade que vai além de simplesmente importar a identidade dos povos nômades para a atualidade, mas de produzir uma elaboração imaginativa que possa produzir cultura e novas experiências. A equitação ao estilo dos povos nômades da antiga Ásia Central possibilita que o equitador experimente esta vivência em seu corpo e sua psique.

A arquearia a cavalo também utiliza técnicas próprias e incentiva modos intuitivos de ação com o arco e flecha. As habilidades no uso do arco e flecha sobre um cavalo em movimento são adquiridas através de exercícios específicos. A arquearia montada está sendo praticada nos tempos atuais como uma espécie de “resgate do passado”; esta prática “sai” dos livros de História e passa e ser experimentada pelas pessoas que desejam e sentem afinidade com este estilo de esporte. A arquearia montada desenvolvida na Escola Desempenho de Equitação, no Rio de Janeiro, Brasil, é baseada na experiência dos equitadores desta escola e nas pesquisas de Bjarke Rink, responsável pela escola. Os arqueiros montados a cavalo dos tempos atuais revivem a experiência dos antigos povos nômades. Esta experiência permite uma atualização da arquearia antiga não de modo teórico, mas como uma experimentação prática da atividade. Esta é uma forma de se contrapor a um dos problemas mais freqüentes na sociedade contemporânea, que não costuma abrir espaços para encontrar uma memória viva. Esta prática parte do pressuposto de que a memória seja algo que possa ser vivenciada no corpo e no momento imediato, pois a memória também se faz presente na ação e na relação com outros seres vivos.


sexta-feira, 5 de junho de 2009

Ser Nômade


Quando usamos a palavra “nômade”, geralmente nos referimos a pessoas que se deslocam continuamente para novas áreas, em um movimento contínuo para territórios ainda não percorridos como se não existissem fronteiras. As pessoas nômades procuram locais sempre novos onde vivem temporariamente, isto é, locais de passagem ou moradas provisórias. Porém um nômade não é um sem terra, é um ser movente, que se fixa no movimento. Este movimento, se comparado ao pensamento, seria algo que se faz de modo inédito mas constantemente, uma ação paradoxal que se repete continuamente.



Não se define o conceito de povo nômade pelo movimento de fluxo contínuo. Para Deleuze e Guattari: “[...] É nesse sentido que o nômade não tem pontos, trajetos nem terra, embora evidentemente ele os tenha. Se o nômade pode ser chamado de o Desterritorializado por excelência, é justamente porque a reterritorialização não se faz depois, como no migrante, nem em outra coisa, como no sedentário [...]. Para o nômade, ao contrário, é a desterritorialização que constitui sua relação com a terra, por isso ele se reterritorializa na própria desterritorialização.” (Deleuze e Guattari, 1997).